terça-feira, 23 de outubro de 2007

Superando a demissão

Há momentos na vida em que o chão parece sumir sob os nossos pés, dificultando o próximo passo. Não tenho dúvidas de que a demissão constitui uma experiência capaz de provocar certo torpor e uma sensação de imobilismo que, no primeiro instante, tende ao infinito. O caminho interrompido e a necessidade de construir uma ponte para dar continuidade à trajetória demandam força interior que contrasta com a fragilidade de sentimentos freqüentes nessa ocasião - dúvida, raiva, tristeza, frustração, revolta ou mesmo resignação. O fato é que, exatamente quando nos sentimos mais vulneráveis, enfrentamos uma pressão interna e externa de nos recompor rapidamente e

seguir adiante.

Tudo a seu tempo: não se pode ter tanta pressa que inviabilize a vivência da espécie de luto que ocorre na esteira da demissão, nem complacência demasiada consigo mesmo a ponto de retardar a retomada do percurso. Dispor de um apoio profissional que possibilite imprimir o ritmo adequado faz toda diferença para o indivíduo e também para o mercado de trabalho - o que exige dos profissionais e das empresas uma compreensão muito mais arrojada quanto ao real significado que uma demissão tem para a sociedade.

Empenhadas em importantíssimos projetos de responsabilidade social, muitas organizações fazem bonito da porta de entrada para fora, mas pecam internamente ao descuidar dos processos de demissão de seus colaboradores. Trata-se, obviamente, de uma visão míope. Quando não proporcionam um suporte adequado para que o demitido dê prosseguimento à carreira, essas companhias acabam contribuindo para retardar a volta do profissional à ativa, engrossando o caldeirão de problemas da sociedade.

Se já compreenderam que ao investir em programas de trainees estão preparando os jovens talentos para o mercado, por que é tão difícil utilizar lógica similar no caso das demissões? Se cada organização cuidar com apuro dos funcionários que dispensa, certamente teremos pessoas mais inteiras e prontas a assumir novos projetos e contribuir com os tremendos desafios que a realidade atual impõe às próprias empresas e ao país.

Da parte dos profissionais, faltam também uma certa ousadia, uma pitada de pragmatismo e até maturidade e segurança para, no momento da admissão, negociar as condições da saída. Talvez, por um traço cultural, tenhamos mesmo dificuldade de pensar em rompimento às vésperas da lua-de-mel. No entanto, em um cenário de mudanças rápidas e constantes, com ciclos de permanência cada vez mais curtos, a atitude de não conversar sobre as bases do desfecho se torna absolutamente temerária.

É por essa razão que muitos acabam amargando um período de transição de maior complexidade, pois não souberam compactuar no tempo certo um suporte de outplacement para ajudá-los a realizar com mais tranqüilidade a travessia rumo a uma nova alternativa de ocupação e renda.

Quem perde o emprego invariavelmente pensa em substituí-lo por outro nos mesmos moldes e, de preferência, com maior remuneração. Não é tarefa das mais fáceis, até porque os postos de trabalho com vínculo formal vêm diminuindo consideravelmente, sem contar os processos de fusão e aquisição que, de uma hora para outra, suprimem muitas vagas de trabalho.

Ter uma percepção realista do mercado, ser assistido por interlocutores que ajudem a vislumbrar novas possibilidades e estar apto a fazer um check up de carreira com quem

é especialista são fatores críticos para uma transição bem-sucedida, capaz de promover transformações perenes para uma gestão de carreira mais zelosa e objetiva.

Brigde over troubled water, antiga canção de Paul Simon e Garfunkel, ilustra bem a importância de poder contar com uma ponte para atravessar as águas revoltas e chegar inteiro e em segurança do outro lado. O outplacement permite enxergar esse momento de turbulência como uma parada técnica, viabilizando que a ponte vá sendo construída com solidez e direcionamento, de forma a atingir não qualquer destino, mas aquele que efetivamente se quer alcançar.

As dificuldades de retorno ao mercado de trabalho, especialmente para profissionais mais seniores, são reais - porém, não intransponíveis. Afiar o software mental para desenvolver um olhar criativo e menos convencional possibilita distinguir alternativas que se tornam nítidas apenas quando nos desapegamos das lentes do passado. Diminuem as posições com vínculo formal?

Gazeta Mercantil, Vida Executiva, José Augusto, 22/10/2007

Nenhum comentário: