quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Por que você trabalha?
Nesses novos tempos de exagerada competição, você poderá suspeitar de que vive num mundo desumano, de hostilidades, egoísta e cínico. Muitas vezes, você terá razão. O ambiente de disputa permanente entre as empresas tende a endurecer as pessoas, a tirar-lhes o espírito de solidariedade, como se essa virtude fosse incompatível com o mundo do trabalho. Em uma época de individualismos extremados, o engajamento profissional pode ser confundido com um jogo selvagem, no qual todos os outros devem ser vistos como adversários ou inimigos. A manifestação dessa síndrome é comum no universo dos executivos, mas também se faz ver entre médicos, vendedores de coco verde e catadores de papel.
De certa forma, num corte longitudinal, podemos ver que diversos atores da malha social estão envolvidos na ensandecida luta por cargos, mercados e lucros. Muitos parecem doentes, apartados do mundo real. E que enfermidade seria esta que tem como sintomas a avareza, a irritação permanente, a incredulidade e a insegurança? Entre especialistas em psicologia do trabalho, há distintas opiniões sobre esses estados mórbidos de dependência das atividades profissionais e de transferência de comportamentos competitivos para a vida pessoal. No entanto, não há dúvida de que o estresse e o esgotamento podem anuviar a razão e induzir à adoção de atitudes incompatíveis com a formação religiosa, moral e ética.
Já se disse que trabalho não mata ninguém. Mas até que ponto é ainda ferramenta e energia da prosperidade, realização pessoal e justo meio de sobrevivência? Até onde se estende o universo do trabalho? E onde começa o território da obsessão? Eu diria que o importante é ser feliz. Que mais importante é fazer felizes aqueles que amamos. Se o trabalho já não tem esse objetivo último, é sinal de que algo está errado. É indício de que algum equívoco distorceu as estratégias e nos distanciou das metas.
Digo essas coisas para sugerir reflexão sobre o sentido da vida nos tempos atuais.. Será que você fez a pergunta: "por que trabalho?" Para muitos, o único motivo é garantir o sustento, a comida no prato e o teto sobre a cabeça. Para essa maioria, não há qualquer prazer e tudo se desenvolve como longo calvário cotidiano, em ações repetitivas e desagradáveis. Mas lutamos também por segurança, reconhecimento, elevação da auto-estima e prazer de usar a criatividade na transformação do mundo. Procuramos, por fim, a auto-realização. Devo dizer que, muitas vezes, as funções do dia-a-dia não são capazes de nos oferecer esses deleites, mesmo em carreiras extremamente bem-sucedidas. Fica a pergunta: o que mais se pode fazer na busca dessa alegria mal-definida?
Proponho fechar os olhos por dez segundos e meditar para responder à pergunta: "tenho dado à sociedade tudo o que posso?" Em geral, a resposta é "não". Vivemos numa sociedade contaminada pelo vírus da autocomplacência. Não perdemos uma chance de reclamar das coisas, de culpar os outros. Das nossas faltas, tendemos a nos absolver facilmente.
É certo que a roda da globalização vai deixando um rastro de perplexidade. Num mundo de desigualdades, muitos ainda são incapazes de se integrar aos novos mecanismos competitivos, nos quais a garantia de vida digna depende de conhecimentos especializados. O País tem orgulho de seus dedicados biólogos, elogiados por suas contribuições ao Projeto Genoma. Mas ainda se envergonha dos casos de trabalho escravo em propriedades rurais. O País conta com os "melhores japoneses", capazes de fabricar eletrônicos de máxima qualidade. Mas ainda não sabe o que fazer com milhares de indigentes que perambulam pelas ruas. Já sabemos como fabricar aviões e exportá-los, mas não descobrimos como evitar que eles se choquem.
Nesse universo de contrastes, exacerbamos a sensação de fragilidade e isolamento. Não temos de abdicar da competência, só precisamos dar novo contorno às nossas metas. Afinal, se a sociedade permitiu a um empresário crescer e prosperar, o que impediria esse profissional de compensá-la com a promoção dos excluídos?
Gazeta Mercantil, Vida Executiva, Carlos Alberto Júlio, 01/08/2007

 

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