terça-feira, 17 de junho de 2008

UMA EXECUTIVA NO CÉU Max Gehringer

UMA EXECUTIVA NO CÉU   Max Gehringer
 
Foi tudo muito rápido.
A executiva bem sucedida sentiu uma pontada no peito, vacilou, cambaleou.
Deu um gemido e apagou.
 
Quando voltou a abrir os olhos, viu se diante de um imenso portal.
Ainda meio zonza, atravessou o e viu uma miríade de pessoas. Todas vestindo cândidos camisolões e caminhando despreocupadas.
Sem entender bem o que estava acontecendo, a executiva bem sucedida abordou um dos passantes:
 
 - Enfermeiro, eu preciso voltar urgente para o meu escritório, porque tenho um meeting importantíssimo. Aliás, acho que fui trazida para cá por engano, porque meu convênio médico é classe A, e isto aqui está me parecendo mais um pronto socorro. Onde é que nós estamos?
 
- No céu.
 
- No céu?...
 
- É. 
 
- Tipo assim, o céu? Aquele com querubins voando e coisas do gênero?
 
- Certamente. Aqui todos vivemos em estado de gozo permanente.
 
Apesar das óbvias evidências (nenhuma poluição, todo mundo sorrindo, ninguém usando telefone celular), a executiva bem sucedida custou um pouco a admitir que havia mesmo apitado na curva.
Tentou então o plano B: convencer o interlocutor, por meio das infalíveis técnicas avançadas de negociação, de que aquela situação era inaceitável.
Porque, ponderou, dali a uma semana ela iria receber o bônus anual, além de estar fortemente cotada para assumir a posição de presidente do conselho de administração da empresa. E foi aí que o interlocutor sugeriu:
 
 - Talvez seja melhor você conversar com Pedro, o síndico.
 
 - É?  E como é que eu marco uma audiência?  Ele tem secretária?
 
 - Não, não.  Basta estalar os dedos e ele aparece.
 
 - Assim?  (...)
 
 - Pois não?
 
A executiva bem sucedida quase desaba da nuvem.  À sua frente, imponente, segurando uma chave que mais parecia um martelo, estava o próprio Pedro.
 
Mas, a executiva havia feito um curso intensivo de approach para situações inesperadas e reagiu rapidinho:
 
 - Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou uma executiva bem sucedida e...
 
 - Executiva...  Que palavra estranha.  De que século você veio?
 
-  Do 21.  O distinto vai me dizer que não conhece o termo "executiva"?
 
 - Já ouvi falar.  Mas não é do meu tempo.
 
Foi então que a executiva bem sucedida teve um insight. A máxima autoridade ali no paraíso aparentava ser um zero à esquerda em modernas técnicas de  gestão empresarial.  Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático, a  executiva poderia rapidamente assumir uma posição hierárquica, por assim  dizer, celestial ali na organização.
 
- Sabe, meu caro Pedro. Se você me permite, eu gostaria de lhe fazer uma  proposta. Basta olhar para esse povo todo aí, só batendo papo e andando à toa, para perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades para dar  um  upgrade na produtividade sistêmica.
 
 - É mesmo?
 
 - Pode acreditar, porque tenho PHD em reengenharia. Por exemplo, não vejo ninguém usando crachá .. Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem faz o quê?
 
 - Ah, não sabemos.
 
 - Headcount, então, não deve constar em nenhum versículo, correto?
 
 - Hã?
 
 - Entendeu o meu ponto?  Sem controle, há dispersão.  E dispersão gera  desmotivação. Com o tempo isto aqui vai acabar virando uma anarquia.  Mas nós dois podemos consertar tudo isso rapidinho implementando um simples programa de targets individuais e avaliação de performance.
 
 - Que interessante...
 
 - Depois, mais no médio prazo, assim que os fundamentos estiverem sólidos  e  o pessoal começar a reclamar da pressão e a ficar estressado, a gente  acalma a galera bolando um sistema de stock option, com uma campanha  motivacional impactante, tipo: " O melhor céu da América Latina".
 
 - Fantástico!
 
 - É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma hierarquização de um  organograma funcional, nada que dinâmicas de grupo e avaliações de perfis psicológicos não consigam resolver.
Aí, contrataríamos uma consultoria especializada para nos ajudar a definir as estratégias operacionais e estabeleceríamos algumas metas factíveis de leverage, maximizando, dessa forma, o retorno do investimento  do Grande Acionista... Ele existe, certo?
 
 - Sobre todas as coisas.
 
 - Ótimo. O passo seguinte seria partir para um downsizing progressivo, encontrar sinergias high tech, redigir manuais de procedimento, definir o  marketing mix e investir no desenvolvimento de produtos alternativos de  alto valor agregado.  O mercado telestérico, por exemplo, me parece extremamente atrativo.
 
 - Incrível!
 
 - É óbvio que, para conseguir tudo isso, nós dois teremos que nomear um Board de altíssimo nível.
  Com um pacote de remuneração atraente, é claro, coisa assim de salário de seis dígitos e todos os fringe benefits e mordomias de praxe.  Porque, agora falando de colega para colega, tenho certeza de que você vai  concordar comigo, Pedro.
O desafio que temos pela frente vai resultar em um turnaround radical.
 
 - Impressionante!
 
 - Isso significa que podemos partir para a implementação?
 
 - Não. Significa que você terá um futuro brilhante se for trabalhar com o nosso concorrente. Porque você acaba de descrever, exatamente, como funciona o Inferno...
 
 

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